Como é a cifra de um acorde maior com 7a maior e 6a maior?
Esses dias um de nossos alunos fez uma pergunta interessante sobre cifragem no nosso grupo no Telegram e resolvemos trazer ela pra cá para compartilhar com vocês.
— por Nelson Faria e Conrado Paulino
A pergunta foi esta aqui: “Qual a melhor maneira de cifrar um acorde maior com 7a maior e 6a maior? Na cifragem brasileira: X7M(6) ou X7M(13)? Na cifragem estado-unidense: Xmaj7(13) ou Xmaj13?”
Então, qual a melhor maneira de cifrar este acorde?
Na realidade todos esses exemplos que o nosso aluno trouxe têm aspectos indesejáveis, e se precisamos indicar apenas uma maneira de cifrar este acorde, não seria nenhuma das que ele imaginou. Siga aqui o raciocínio e vamos escolher juntos como escrever esta cifra.
Cifragem brasileira
Na cifragem brasileira se utiliza o X7M(6), porém a indicação 7M é muito pouco utilizada fora do Brasil, o que pode causar confusão.
Há muitos anos o Ian Guest fez uma tentativa de unificar a cifragem aqui no Brasil e passou isso ao Almir Chediak, que escreveu o livro Dicionário de Acordes Cifrados. Todo mundo tinha aquele livro e com isso se padronizou o X7M aqui no Brasil, porém quando fazemos trabalhos internacionais, os X7M dão problema! Nos ensaios sempre têm alguém (estrangeiro) perguntando: este acorde aqui é o quê?!
Isto porque enquanto nós dizemos em português sétima maior, que torna natural a leitura do M depois do 7, em inglês é invertido! Eles dizem major seventh e, então, faz sentido, em inglês, a leitura com o Maj antes do 7. Seria bacana se a gente fizesse um padrão de cifragem que fosse internacional sem usar nenhum idioma específico, usando apenas a simbologia musical. Será que isso é possível? Fica para uma próxima discussão…
Cifragem americana
Voltando à pergunta do nosso aluno, vemos que as duas opções que ele cogitou para o padrão americano têm ali a indicação da 13a, no entanto o acorde com 7a maior sempre tem 6a e não 13a! Isto pois a 6a é nota do acorde, não tensão! Aliás, a 6a é intercambiável com a 7a maior.
Historicamente, o acorde de 4 sons na tônica era sempre com 6a porque a 7a maior é a sensível do tom e precisava ser resolvida. Hoje não resolvemos essa nota e isto é ok para os nossos ouvidos por já estarmos acostumados a esta sonoridade… Mas por séculos não foi assim! Então o fato é que a 6a se uniu à tríade maior muito antes da 7a maior, e por isto a cifragem com 13a, nesse caso, não é indicada.
Qual notação utilizar então, afinal?
A melhor maneira hoje seria, então, escrever XMaj7(6). Ou, caso realmente prefira usar a cifragem brasileira, pode escrever X7M(6)
Certo, mas eu quero entender o porquê!
Agora a pergunta está respondida, mas podemos aproveitar que já estamos neste assunto para pensar um pouco mais a fundo nas questões de cifragem e de harmonia.
Sobre a notação de complementos
Uma coisa que podemos observar é que, pouco a pouco, vários assuntos da harmonia popular como nomes, formas gráficas de identificação ou análise, etc, vão se definindo e unificando, e uma das coisas que está vingando na cifragem moderna é o uso do padrão em inglês e, dentro desse padrão, a regra de se indicar os complementos dos acordes dentro de parênteses. Isso porque eles não são imprescindíveis e, como o próprio nome indica, são um plus, um enfeite que pode perfeitamente ser dispensado. Tanto é assim que os complementos não interferem na análise harmônica, ou seja, não mudam a função harmônica de um acorde.
Vamos a um exemplo prático: em Dó maior tocar G7, G7(b9) ou G7(b9)(13) não vai mudar em nada a função dominante do acorde. É claro que há uma grande diferença entre esses acordes, mas é apenas estética e estilística. É perfeitamente possível tocar “Desafinado” de Tom Jobim apenas com acordes com 7a, sem nenhum complemento. Vai soar estranho, fora da linguagem? Vai! Mas não se pode dizer que é formalmente errado.
Em resumo, as notas imprescindíveis ao acorde, quais sejam 1, 3, 5 e 7, são indicadas sem parênteses, enquanto os complementos aparecem entre parênteses.
As alterações da 5a
Agora, além dos complementos, utiliza-se também os parênteses para resolver ambiguidades na cifra, então quando há alterações na 5a do acorde a cifragem moderna a indica entre parênteses. Isto porque, em inglês, as alterações sempre vêm antes do número, como por exemplo em b9, #11, etc, porém vêm depois da indicação da nota. Por exemplo Dó sustenido é C#, Lá bemol é Ab, etc. Então o acorde de Dó maior com 5a aumentada, se escrito como C#5, sem parênteses, poderia causar confusão ao leitor, e adota-se então a notação C(#5).
E onde entra a 6a?
Dito isto, voltando à formação dos acordes, a harmonia funcional moderna os divide em famílias de tétrades, e já três principais famílias: XMaj7, X7 e Xm7, e olhando do ponto de vista da harmonia funcional, nos acordes da família XMaj7 a 6a é um complemento, ou seja, acorde titular é o XMaj7, e ter a 6a ou não a ter não fará diferença alguma. Inclusive, como já demos uma palinha lá no início, a 7a maior e a 6a são intercambiáveis neste caso.
Portanto, juntando o fato de que a 6a é um complemento e as regras da cifragem moderna, chegamos ao XMaj7(6) que recomendamos para esta cifra.
Talvez, depois de tudo isso, você pense: mas e as cifras X6, deveriam ter parênteses? Pois é, aqui não precisa! Se a 7a maior e a 6a são funcionamente equivalentes, podemos escrever um acorde X6, ou seja, sem a 7a maior, mas no fundo ele ainda pertence à família dos acordes XMaj7, só que resolveram trocar a 7a maior pela 6a e ela não está ali mais como mero complemento.
Porém este tipo de cifra é útil principalmente para violão e guitarra, que são instrumentos que, em princípio, vão tocar os acordes parcialmente. Para qualquer pianista de música popular como MPB, jazz, etc, qualquer acorde XMaj7 vai trazer junto a 6a e a 9a. E isso já é normal para os alunos de piano entrando no nível intermediário, por exemplo. São os chamados acordes de apoio, que dispensam a fundamental. Assim, quando um pianista encontra, por exemplo, a cifra CMaj7, provavelmente vai utilizar uma das distribuições mais básicas para o acorde, que seriam, do grave para o agudo, Mi, Lá, Si, Ré, isto é, 3a, 6a, 7a maior e 9a, ou Si, Ré, Mi, Lá, que são a 7a maior, 9a, 3a e 6a. Essa segunda distribuição também é comum no violão e na guitarra.
E que outros tipos de cifra posso encontrar?
Como dissemos, esta maneira de cifrar os acordes é uma tendência, porém há muita variação nas notações. Uma forma ainda comum de cifragem que você encontra, por exemplo, no Real Book original, é utilizar os parênteses somente para as tensões alteradas, e muitas vezes deixando a 7a e até tensões implícitas. C9 enão é um C7(9), e C13 é um C7(13) ou C7(9,13), e você só veria no Real Book as duas tensões indicadas entre parênteses quando houvesse uma alterada, por exemplo em C7(b9,13).
Existe uma outra linha de cifragem que também vem sendo cada vez mais utilizada que é a notação X∆7 para a 7a maior, mas às vezes pode ser pouco prático para digitar com símbolos em uma mensagem, por exemplo. Mas o ∆7 funciona em todo lugar, e não fica específico para nenhum idioma.
Mais um pouco sobre cifragem na prática
Simplifique sempre que puder!
Na prática, exceto quando a cifra for para um arranjo onde o arranjador quer um som especifico ou, se na composição o autor estiver usado tensões não diatônicas ou movimentos harmônicos específicos, do tipo C7(13) C7(b13), etc, se for apenas um lead sheet (que é a melodia com a cifra sobre os compassos) há uma espécie de “código diplomático tácito” entre os músicos (principalmente os de jazz) que diz que o ideal é cifrar da forma mais econômica possível, ou seja, até a 7a, sem indicar complementos.
Isso facilita a vida do iniciante e deixa de ser redundante pra quem tem experiência. Como já comentamos acima, uma pessoa experiente quando vê um C7M (ou CMaj7) vai tocar a 6a, a 9a e às vezes até também a #11… então escrever todas as tensões passa a ser algo redundante. O bom músico, por experiência, conhecimento formal, ou ambos, sabe o que pode e o que não pode em cada um dos acordes, ou seja, quais são os complementos possíveis. Agora uma pessoa com menos experiência, se vê na cifra escrito algo como C7M/6(9)? É capaz de parar ali naquele compasso pra ficar fazendo conta e tentando entender que notas deve colocar no acorde!
Desse ponto de vista, cifrar Wave, por exemplo, com acordes DMaj7(9), BbDim7(b13), etc, é discutível. Pode até ser visto como uma forma amadora de cifrar. É, no mínimo, uma forma violonística de cifrar, visando indicar os acordes especificamente para esse instrumentista. Mas, se o violonista ou guitarrista for bom, não vai nem tocar Wave sempre do mesmo jeito, com exatamente os mesmos acordes, os mesmos complementos, nem os mesmos shapes... Exceto em casos muito específicos quando o estilo ou o arranjo exijam isso.
Já para um pianista essa cifra não tem nem muito sentido e pode ser vista como deselegante, até! Pode ser vista como uma forma de tolher a liberdade do pianista e impor um determinado acorde ou, pior, o pianista pode pensar se estiver mal-humorado, “pô, o cara pensa que eu não sei os complementos que cabem nestes acordes??”.
Exceções à regra
Mas como tudo tem uma exceção, aqui não deixaria de ser o caso, claro! Quando a melodia pega num intervalo pouco previsível, é obrigação do autor da lead sheet indicar, excepcionalmente, essa alteração. Esse intervalo “inesperado” é geralmente alguma nota não diatônica.
Alguns exemplos:
- Everything Happens To Me, que está em Bb, e no compasso 5 tem um II-V do I (Cm7/ F7 / BbMaj7). Há grande chance de que o músico coloque 9 e/ou 13 nesse F7, mas, a melodia é a b9. O músico que acompanha não tem obrigação de ficar conferindo a relação entre a melodia e cada um dos acordes. Seria bom, é claro!, mas não é obrigatório. Então cabe ao arranjador indicar que esse F7 precisa ter b9. Nessa composição acontece a mesma coisa nos compassos 17 e 19 (II-V de Eb) e 21 (II-V de D), em que a melodia pega em #9, b9 e b13.
- O compasso 14 de “Desafinado”: se tocado em Fá, o acorde é G7 (em príncipio, um V7 do V7 do I), e qualquer violonista faria G7 com 9 e/ou 13, mas a melodia é a b9! Um músico não tem como adivinhar, portanto o correto nesse caso é avisar e escrever G7(b9). Inclusive no SongBook da Bossa Nova está errado, lá permanece o G7(9) do compasso anterior; já no Songbook do Tom Jobim o acorde indicado é G7(13), o que, de alguma forma, foge do problema.
- “Turbilhão” (Toquinho e Vinicius) se pode cifrar só com acordes com 7a, mas no compasso 14, no V7 do I, a melodia é a b13. Ou seja, nesse acorde é preciso especificar esse complemento. O tom original é Ré, o acorde é A7 e a melodia é Fá natural, ou seja, A7(b13).
- No compasso 6 de “Batida Diferente” tem um V7 do I mas a melodia é a #9.
Para concluir
É importante entender que há vários padrões de cifragem utilizados atualmente e que não podemos dizer que um padrão seja o único certo e que os demais estejam errados, mas independente disso o que nos referimos aqui é o que observamos como tendências, que podem ter vindo para ficar ou não!
No final das contas tudo depende de bom senso, do estilo musical, do contexto, e até dos músicos com quem você está trabalhando. Quando tocamos há muito tempo com alguém, já sabemos que tipos de complementos eles costumam fazer. Nesse caso podemos escrever simplificadamente e já saber o que vai soar. Então só no ponto da música em que quisermos algo específico e que nós sabemos que o outro faria diferente, colocamos ali uma cifra detalhando os complementos. Ou seja, escrevemos da maneira que seja mais fácil para o outro entender e tocar o que nós imaginamos.
Há ainda muito a ser desbravado no mundo da cifragem, olhe como uma simples pergunta sobre notação pode nos fazer ir longe!
E você, como prefere escrever as cifras? Ficou ainda alguma dúvida? Escreve pra gente nos comentários aqui embaixo!
2 respostas em "Como é a cifra de um acorde maior com 7<sup>a</sup> maior e 6<sup>a</sup> maior?"
Deixe sua mensagem
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
Primeiramente obrigado pela excelente aula.
Essa questão da cifragem é realmente complexa e deve ser observada para cada caso. Gostaria de aproveitar e compartilhar minha vivência desse tema com alunos iniciantes.
Procuro sempre cifrar com o máximo de informações possíveis para que eles possam saber tudo o que está “dentro” de um determinado acorde e com o passar do tempo deixando as cifras mais “resumidas”.
Em algumas situações escrevo na 1ª linha da partitura um pequeno dicionário de quais acordes e como eles devem ser montados (abertura, extensões, dedos e cordas) para um exercício ou música específica. Ajuda a desenvolver a leitura e a memória visual de como um acorde é escrito na pauta.
Um abraço.
Parabéns, pessoal! Artigo fantástico!